O JARDIM SECRETO (THE SECRET GARDEN – AGNIESZKA HOLLAND/1993)


Observação: é raro encontrar um filme hoje em dia, voltado para o publico infantil que não caia na zona da comercialização gratuita. Tais filmes ficaram em um passado recente, coisa de quinze, vinte anos atrás. “O Jardim Secreto” é simbólico dessa safra. O assisti muito na infância e sempre me pareceu o tipo de produção oportuna para os anos 2000, uma época que grita por uma obra cinematográfica que mescle dois polos da produção cinematográfica. Qual seja: o entretenimento através das boas ideias. Este drama, baseado no livro de Frances Hodgson Burnett é um filme de arte, com visual inglês e que lembra muito os filmes de época feitos pela dupla Merchant & Ivory (respectivamente produtor e diretor), e também é um exemplar monumental de cinema voltado para o publico jovem. Tem delicadeza suficiente para ser lembrado e uma agilidade sutil, que convém á atmosfera juvenil.

Na Índia, a pequena Mary Lennox (Kate Marbely) de dez anos têm uma vida inquieta, apesar de repleta de conforto. Embora tenha nascido na Índia, sua descendência é inglesa. Seu pai é um militar a serviço do Império Britânico e que, quando não está trabalhando, dedica atenção total a mãe da menina, uma mulher bela e jovem, que só pensa nas festas glamourosas promovidas pela corte na colônia. O casal parece ter se esquecido da menina no instante em que está nasceu, pois todo o cuidado para com ela é desempenhado por suas babás, mais conhecidas como Ayas. Mary têm solidão no olhar, e amargura na exposição de sua condição privilegiada, mas cercada de insensibilidade. Tudo piora quando seus pais morrem em um terrível terremoto, que devasta toda a cidade. Mary nunca poderá compartilhar do carinho deles, e muito menos ter uma família plena. O choque é tanto que a menina nem reage ao escárnio dos outros órfãos dessa tragédia, quando desembarcam no porto da Inglaterra. Ela permanece impassível e nenhuma emoção, a não ser o cansaço e a raiva, atravessa seu olhar.

Quando as outras crianças órfãs são levadas por algum guardião e Mary é esquecida no porto, ela pouco parece se perturbar, e ali permanece até tarde da noite, quando enfim a governanta da casa de seu tio, a severa Mrs. Medlock (na atuação louvável da legendaria Maggie Smith) aparece para leva-la. O tio da menina mora em uma propriedade rural gigantesca, com centenas de acres e uma mansão imponente que parece congelada em um passado trágico. Os cômodos estão praticamente todos vazios, e a não ser pela presença dos funcionários que ali trabalham tudo emana uma atmosfera de abandono. Mary estranha o lugar tanto quanto estranhava sua terra natal, com o agravante de que ali ela não será eternamente uma princesa esperando que a Aya venha servi-la.

Em suas andanças pelo corredor da enorme casa, Mary entra sem querer no quarto de seu primo, um menino que todos acreditam estar à beira da morte desde que nasceu, mas que já está com dez anos de idade, e de cuja existência Mary não fazia nem ideia. O nome do menino é Colin (Heydon Prowse), e sua mãe foi irmã gêmea da falecida mãe de Mary. Colin é sempre mantido trancado no próprio quarto, com as janelas lacradas e deitado sob os cobertores. Foi tão protegido e considerado tão doente que nem andar aprendeu e é tratado de maneira radical por Mrs. Medlock, que o trata com um cuidado absurdo. Seu pai sempre recusou vê-lo, pois Colin é o ultimo elo que ele possui com a falecida esposa, uma mulher que amou de maneira completa e cuja morte o emparedou em uma solidão salaz. Quando se sente oprimido pelo vazio da casa, o homem parte em viagem, demorando meses para retornar.

Como não há muito a se fazer na mansão, Mary vai explorar a propriedade e descobre de maneira sublime um jardim escondido entre os muros que cercam as terras de seu tio. O jardim está abandonado já há muitos anos, com todas suas plantas secas e suas folhagens emaranhadas, mas Mary enxerga ali a oportunidade de ressuscitá-lo. A garota afinal encontra algo que precisa dela e para o qual ela pode dedicar toda a paixão e necessidade de afeição que trás dentro de si. Enquanto tiver o jardim, Mary terá um lugar no mundo para chamar de lar, mesmo que de maneira figurativa. A morte da mãe de Colin está diretamente ligada a historia do jardim encontrado por Mary. Ali ela viveu os melhores momentos de seu casamento e celebrou sua gravidez. Foi ali também que ela encarou a queda que a levou a morte

Junto com Dickon (Andrew Knott), filho de um dos empregados da mansão, e que é um menino que lida como ninguém com a natureza, Mary reestruturará não somente o jardim, mas a vida de todos que moram na casa de seu tio. A mudança mais radical, porém, se opera dentro dela, que ao viver naquele éden infantil e auxiliar na recuperação física do primo e mais tarde ajudar a reerguer psicologicamente o tio irá se desvencilhar da amargura que trazia dentro de si e abraçar aquela que é a metáfora mais bela e obvia de “O Jardim Secreto”, a da lagarta que se livrou do casulo da amargura e desabrochou para um mundo completamente melhor e novo.
 


DEUS DA CARNIFICINA (CARNAGE – ROMAN POLANSKI/2011)


Constatação primeira ao assistir a este trabalho imprescindível de Roman Polanski é de que filmes bons não precisam de nada além de um roteiro original e de um elenco que valorize esse material. É lamentável ver o cinema indo por caminhos apelativos e gratuitos. Felizmente sobreviverão artistas zelosos como Polanski, e talvez outros nasçam salvando o público conceitual da acalentadora e falsa ideia de segurança. Hoje o cinema é feito para tudo, menos para fazer a plateia pensar e tudo o que a plateia menos quer é ver seu reflexo no espelho esclarecedor de uma tela de cinema. A despeito da conduta pessoal do homem Polanski – sobre a qual eu tenho opinião formada, mas que nada tem haver com sua obra cinematográfica – a força do Polanski cineasta permanece intocada e até evoluiu, transformada em filmes que acredito serem obrigatórios, como os recentes “O Escritor Fantasma” e este “O Deus da Carnificina”, adaptação de uma obra teatral de peso da francesa Yasmina Reza, cujo texto já fora levado á Broadway em ocasiões distintas.

Trata-se de uma situação caseira, mostrada corriqueiramente na abertura do filme, quando um grupo de meninos pré-adolescentes estão reunidos em um parque do Brooklin, em Nova Iorque e dois deles começam uma discussão, que progride para empurrões e termina com um deles acertando o outro no rosto com um galho. Michael (John C. Reilly, de Chicago) e Penélope (Jodie Foster), os pais do menino que foi atingido pelo galho decidem convidar os pais do menino agressor para uma conversa sobre o ocorrido, para que se esclareça quais limites devem se impor á uma situação que encontra-se entre a violência gratuita e a imaturidade juvenil. Nos dez segundos em que esses quatro personagens aparecem juntos já se sabe que cada um tem uma opinião definida, e que todas elas colidem. Mas obviamente a educação primeira e a polidez exige que essas convenções sociais estejam sempre a frente do real motivo do encontro. Allan (Cristoph Waltz) é um advogado requisitado, cuja postura passa perto do arrogante, mas graças a envergadura do ator que o encarna, não se atém somente a essa característica, sendo ele próprio um contraste instigante para a figura composta, requintada e algo nervosa de sua esposa Nancy (Kate Winslet).

“Deus da Carnificina” têm, o que acredito ser os mais bem construídos personagens de causa e efeito que jamais encontrei em um filme. E eles são belamente compreendidos e conduzidos pelo texto repleto de sabor, justamente por que dessa situação corriqueira nascem outras nem tanto simplistas assim. Dá agressão que um dos meninos inflige ao outro surge questionamentos que inflam de vigor e murcham em veracidade. O que sobra é a desconstrução de uma civilidade imposta pela evolução natural do homem, em prol do desenvolvimento de seus impérios e um retorno á barbárie do primitivismo. A principio, a própria reunião em si acaba deixando de ter sentido e seus próprios protagonistas procuram afastar-se dela utilizando recursos repletos de falsas desculpas, e quando não acham outra saída a não ser confrontar-se dialeticamente até o corpo desses personagens apresentam uma reação física extremada: Nancy vomita compulsivamente sobre a mesinha da sala de estar de seus anfitriões e Penélope inicia um choro infantil, quando não vê seus ideais politizados serem levados em conta pelo grupo.

É drama puro, mas só se consegue rir em “Deus da Carnificina”, pois as falácias apresentadas nele são todas muito próprias do ser humano moderno. Quando se percebe que não é mais conveniente ser educado e que o melhor remédio é a verdade o que se têm é um episódio de tortura coletiva e psicológica. Estes casais nunca chegam a se edificar em seus comentários e a intensidade de seus diálogos é análoga a puerilidade que os vitima, chegando ao ponto de todos terem que se alcoolizar para suportar a saraivada indigesta de acusações, objeções e criticas que uns dirigem contra os outros, sendo que até individualmente cada casal enxerga sua própria crise. Penélope se recente de ser uma pessoa justa e modernista em contrapartida do marido medíocre na atitude e no pensamento e Nancy desgosta o marido ausente que vive para o emprego e que ao seu modo é tão simplista quanto o companheiro da outra. Curiosamente são as mulheres que inflamam a discussão, sempre trazendo à tona a busca por um culpado a ser punido. São elas que respondem pelos momentos mais intensos, em que estão expostas totalmente a brutalidade verbal de seus cônjuges, em que se percebem sozinhas na defesa de suas opiniões e principalmente de seus filhos. Penélope nunca deixa de lembrar as sequelas físicas do seu e Nancy sempre se coloca a frente de Allan para explanar que a atitude do seu não foi uma mera manifestação de violência.

“Deus da Carnificina” dura o suficiente para deixar o espectador catatônico. Primeiro por que fecha a ferida com uma finalização perfeita, passando do vergonhoso para o construtivo em um corte de cena expressivo e divertidíssimo que resume tudo quase como um truque debochado de mágica. E segundo por que deixa aqueles personagens envoltos naquela uma hora deliciosa de luta humana que afinal tão cedo não será finalizada, mas que aqui mereceu um desfecho dos melhores, que foi como uma galhada nada carinhosa na hipocrisia.
 


ANTICRISTO (ANTICHRIST – Lars Von Trier/2009)



“Esta é a carne da minha carne e osso dos meus ossos. Ela será chamada de mulher, porque Deus a tirou do homem” – GÊNESIS.

Existem referências em quantidade suficiente em “Anticristo” para torna-lo difícil de ser resumido, quanto mais criticado em seus devidos pormenores. Mas é uma tarefa que não encontra atalhos. Chegar ao seu desfecho é como se prostrar em frente á uma encruzilhada, saiu-se de um ponto de catarse e agora permanecesse em uma atitude de espera, ainda que manifestadamente aliviada, como se vê no olhar repleto de sentimento de liberdade que William Defoe transmite na cena final. Como experiência audiovisual, o filme é sensorialmente genuíno, sobretudo nos desempenhos. Já vi entregas artísticas espetaculares, como por exemplo, a de Isabelle Adjani em “Possessão”, no qual a bela atriz francesa encarna um personagem de múltiplas camadas, todas elas obscuras, sensuais e complexas. No entanto, não consegui encontrar na memória um desempenho que se equiparasse ao de Charlotte Gainsbourg em “Anticristo”.

Atuar significa compreender um papel e então enverga-lo, e muitos interpretes o fazem sem se deixar expor física ou psicologicamente, do qual se sai do trabalho completamente integro. Não é o que acontece com Charlotte. A atriz se expõe de uma maneira homérica, e com uma intensidade que deixa os desempenhos celebrados de Nicole Kidman (Dogville), Björk (Dançando no Escuro) e Emily Watson (Ondas do Destino) vários degraus abaixo. Não é apenas um caso de desequilíbrio, no qual uma nota histérica poderia ser facilmente usada, mas, sobretudo de alienação, corrosão através da dor e incapacidade diante do medo. O medo na visão de Lars Von Trier é tão malévolo e insidioso, quanto necessário, mas nem todos reagem de maneira lógica diante dele.

Os três mendigos em “Anticristo” é uma constelação inexistente, onde, na mente da personagem Ela (Gainsbourg) circulam estes sentimentos atávicos sobre a essência simbólica feminina, e que estão ligados diretamente à perda de seu filho pequeno, que certa noite levanta do berço, sobe na janela do apartamento em que vive e despenca silenciosamente para morte, enquanto a mãe e o pai fazem sexo no banheiro. Ela encontra neste instante de prazer a culpa feroz que resultou no fim trágico da criança e associará este fato a natureza de sua tese relacionada aos genocídios femininos perpetrados na idade média, concluindo que a mulher é o santuário onde tudo que há de maligno no mundo se manifesta e cresce. No instante em que se dá conta disso, Ela enlouquece e procura de todas as maneiras eliminar o marido (William Defoe), um psicanalista que até então vinha tentando salvar a mulher da clausura emocional na qual o luto a havia colocado. Ao que tudo indica, Ela quer mata-lo por enxergar nele o instigador desse mal, no sentido sexual, já que viria dele o despertar do desejo e a semente criadora de toda humanidade.

O inicio de “Anticristo” é linear e muito franco. Nele é apresentado um prólogo criativo, que prossegue com um capitulo intitulado “Sofrimento”. O homem acompanha as tentativas infrutíferas dos médicos de recuperarem a saúde psicológica de sua esposa e decide leva-la para casa, onde retira seus medicamentos e começa a trata-la com exercícios psicanalíticos, que evoluem para uma viagem do casal para uma cabana na floresta que eles chamam de Éden. Referencia mais óbvia impossível, mas é a partir da chegada de ambos no local que o diretor destroça a lógica da narração, tornando a jornada do casal em busca da cura uma viagem de terror psicológico. Em uma cena especial, o homem se depara com um servo em pleno trabalho de parto, que seria a representação figurativa do sofrimento criativo, um momento de plenitude e beleza vital, mas repleto de dor e sangue.

Aparentemente incapaz de sentir física e emocionalmente o que a esposa está sentindo, o homem recebe essas ideias através de sinais, comunicados pelos animais que compõem a constelação dos três mendigos. O primeiro é o servo dando a luz, o segundo a raposa eviscerada que rosna “o caos reina” de maneira moribunda em uma alusão a morte emocional que a mulher enfrenta no capítulo “Dor, e o terceiro é o corvo dentro da toca da raposa, que recusasse a morrer apesar das pedradas que o homem lhe dá temendo que a ave denuncie seu esconderijo, já que ele se enfiou ali para fugir da mulher enraivecida, que perfurou sua perna com uma estaca e nela pregou uma pedra pesadíssima em forma de roda.

Algumas passagens de “Anticristo” são inquestionavelmente pesadas. Não apenas pesadas na força e originalidade com que são filmadas, mas pelo que elas comunicam. Na sequencia em que Charlotte Gainsbourg observa um filhote de pássaro despencar do ninho sobre um formigueiro e então ser levado por uma águia que o devora sem pena, o episódio similar de sua perda retorna com uma voltagem multiplicada. Talvez por ser um filme que busque a sinceridade, “Anticristo” não esconda nada. Não esconde estes três sentimentos que tanto atingem a mulher. Não esconde a nudez e sexualidade que, de tão desesperada, chega a ser bestial (a cena dos braços saindo das raízes da árvore é inesquecível) e não esconde a tortura, a física e a metafórica. 


REGRAS DA VIDA (THE CIDER HOUSE RULES – Lasse Halström/1999)




Há quantidade suficiente de originalidade e talento na produção de “Regras da Vida” que poderia tê-lo feito inesquecível. Mas há algo de muito lapidado na direção de Lasse Halström (de Chocolate) que impede que as emoções venham à superfície no coração do expectador. O roteiro tem a assinatura de John Irving, que ganhou o Oscar ao adaptar o próprio livro para as telas. John Irving já havia sido adaptado antes para os cinemas com “O Mundo Segundo Garp”, um dos melhores filmes que já assisti e uma pérola desconhecida da década de 80, e a diferença entre os dois filmes é abismal. É possível perceber a linguagem multifacetada e a narração descritivamente fantástica. John Irving tem essa capacidade única de transformar o cotidiano mais trivial em um universo envolto em lirismo. Mas “Regras da Vida” perde muitas oportunidades de utilizar bem esse lirismo e essa franqueza. Não deixa de ser belo, no entanto. Mas lhe falta um coração pulsante, algo que leve a quem assiste à emoção intuitiva.

Michael Caine interpreta Larch, o médico de um orfanato no Maine que cuida de órfãos enjeitados por mães muito jovens ou problemáticas. O lugar é abarrotado de crianças que vieram de relações precoces ou de lares desfeitos e é um lugar para onde jovens grávidas vão buscar socorro, pois Larch é especialista na realização de abortos. Uma dessas crianças é um menino chamado Homer Wells adotado ainda bebê, mas devolvido logo em seguida. Os pais adotivos o consideravam estranho, pelo simples fato de a criança ser muito feliz para chorar, concluindo o casal que ele devia ter algum problema com o qual eles não estavam dispostos a lidar. A segunda família que adota o bebê Homer já é mais “prática” na solução do que consideram um problema: se o menino não chora naturalmente eles o fazem chorar batendo nele, ao que o médico Larch o leva de volta ao orfanato.

Homer assim cresce sob a tutela do Dr.Larch, aprendendo todas as praticas que envolvem o cuidado com pacientes desesperadas que ali chegam ou com os órfãos que são deixados para trás. Desde o nascimento essas crianças são tratadas de uma maneira toda especial por Larch e o par de enfermeiras interpretadas pelas soberbas Kathy Baker (Edward Mãos de Tesoura) e Jane Alexander (Kramer VS Kramer). Larch tem um carinho maior por Homer, pois é uma das únicas crianças que chegaram à vida adulta vivendo naquele lugar que emana carinho e atenção, mas que jamais preenche o papel de uma família. Nada explica melhor esse sentimento prolongado de desamparo do que a cena em que o orfanato recebe casais a procura de um filho adotivo: as crianças estão sentadas a mesa almoçando e cada uma delas tenta demonstrar porque merece ser adotada. É singela essa demonstração de bravura e Larch é o personagem chave dessa construção de caráter, todas as noites lendo um clássico da literatura para os órfãos e se despedindo deles chamando-os de “Príncipes do Maine e Reis da Nova Inglaterra”.

Se essas crianças não são importantes para o mundo, são essenciais para o orfanato e cada uma é preciosa para aquela família acidental. Conforme vão crescendo e deixam de representar um interesse para possíveis pais adotivos, esses meninos e meninas passam a representar o futuro do orfanato e a eles é mostrada a realidade dos fatos e a delicadeza da vida. Quando uma jovem chega ali gravemente ferida, após realizar um aborto malfeito por um médico clandestino, Larch explica a Homer que sua pratica não é apenas fruto de um ponto de vista, na verdade nem chegando a sê-lo. É algo que surge da necessidade de se preservar a vida de alguém muito jovem e despreparada, de mulheres a beira do desespero e que recorrem á medidas drásticas. Homer inicia um processo de transformação psicológica, que o levará do orfanato até uma cidade litorânea na companhia de Wally (Paul Rudd) e Candy (Charlize Theron), um casal que recorreu ao orfanato para interromper a gravidez da moça.

Homer começará a trabalhar na colheita de maças na propriedade que pertence à família de Wally e quando este parte para a guerra a aproximação entre ele e Candy se torna inevitável. O titulo original do filme faz referencia ao quadro de regras pregado na parede do dormitório onde Homer dorme com os outros funcionários que trabalham na colheita, todos eles negros e donos de uma crença própria e pessoal, e com a qual o protagonista terá de lidar em certo momento da trama. A temática de “Regras da Vida” é muito bem definida perto de seu desfecho, quando cada personagem assume seu verdadeiro lugar na realidade em que vive, nem sempre sendo essa condição uma expressão de livre arbítrio. No caso de Candy vêm mais do sentimento de culpa e débito para com o namorado do que a vontade de cuidar dele, que volta da guerra paraplégico. Já Homer se posiciona diante dos fatos com maestria, ainda que perplexo com os rumos de tudo, mas nunca deixando transparecer insatisfação. Muito dessa serenidade vêm da interpretação de Tobey Maguire, que nada lembra o atrapalhado Peter Parker da trilogia “Homem Aranha”.

“Regras da Vida” possui imprecisões incômodas, como o trato que seu diretor dá aos temas polêmicos presentes, sendo o aborto o mais obvio. Lasse Halström se abstêm de dar seu ponto de vista e o máximo que Larch, o médico que rendeu o segundo Oscar de coadjuvante para Michael Caine diz é que não recomenda a pratica do aborto, apesar de exercê-la e defende-la. Nem a relação incestuosa entre o pai e uma filha recebe a atenção devida, sendo coberta de panos quentes e emanando compreensão na conclusão trágica de seu desenvolvimento. Poderia ser mais incisiva essa abordagem, o que resultaria sem duvida em um filme incrivelmente mais sincero.