Saí extasiado do
cinema, quase maravilhado pelo que havia assistido e querendo compartilhar a
alegria de ter assistido á um filme tão bom quanto este. Minha melhor amiga
disse na época que a irmã mais velha havia dormido na sessão, tão entediante o
filme parecera e não tive fibra para perguntar que tipo de imbecil paga para
dormir no cinema. Se o filme está chato ou desinteressante, saia da sessão,
nada mais lógico. Os produtores e o estúdio agradecem seu dinheiro, o único
lesado é você, pois pagou por algo que não consumiu. Se vocês são do tipo que
fazem isso, dá próxima vez assista ao filme todo para pelo menos dizer que ele
é uma porcaria. Coisas ruins se fazem aos montes e diariamente, mas não se pode
acusar Woody Allen de ser um sujeito alienado, sendo que o que ele mais trás em
sua filmografia são tentativas de fugir á matéria usual. Seus filmes são
povoados por homens e mulheres comuns em situações cotidianas, mas repletas de
imprevisibilidade. São sujeitos adúlteros, mulheres levadas ao extremo da paixão,
artistas em crise criativa, e sempre a mesma inquietação pessoal.
“Vicky Cristina
Barcelona” mistura todas as vertentes humorísticas de Allen em um exercício de
estilo que brinca no cenário maravilhoso e ardente da Espanha. E aqui também os
personagens se encontrarão as voltas com o fio tênue dos eventos corriqueiros
que levam a cominações derradeiras. Há uma quase tragédia rondando as mulheres
aqui retratadas e todas elas convergem para a figura de Javier Bardem, como o
pintor expressionista Juan Antonio, um conquistador contumaz que faz até a mais
previsível das personagens femininas, abandonar sua reserva. Juan Antonio não
deixa de ser gratuito em suas aventuras amorosas, mas o faz com alma de
artista, com perspicácia, sobretudo e em nenhum momento seu comportamento
predatório soa ofensivo. O contrario ocorre, quando ao expectador é demonstrado
que a felicidade passageira e os momentos imponderáveis e saborosos da vida têm
haver com esperar que as coisas boas aconteçam naturalmente, e ai dentro
inclui-se enamorar-se e entregar-se ao sexo, mesmo que com pessoas que acabou
de conhecer. O que há de errado para pessoas jovens, saudáveis e inteligentes
se encontrarem mutuamente e dividirem momentos na cama.
Juan Antonio chega
exatamente com esse argumento junto á mesa de Vicky (Rebbecah Hall) e Cristina
(Scarlett Johansson), duas americanas que estão passando uma temporada em
Barcelona – Vicky para dar inicio ao mestrado em cultura catalã e Cristina para
tentar se manifestar artisticamente. O pintor é cortes e educado, mas muito do
que ele diz enerva Vicky, uma mulher que gosta de ter a vida sob controle até
em seus detalhes mais decisivos. A moça está de casamento marcado com um sujeito
boa praça, mas que em termos de imprevisibilidade e paixão é o oposto daquele
que está á sua frente. Cristina se mostra imediatamente interessada no sujeito
e aceita de imediato o convite deste para que o trio vá de avião até uma cidade
próxima chamada Oviedo, onde Juan pretende mostrar uma obra de arte que muito
lhe apetece. Vicky, obviamente contrariada, acompanha os dois mais para impedir
que algo aconteça á amiga.
“Vicky Cristina
Barcelona” possui o desenvolvimento mais esplendido do cinema recente, pois
conduz a história das amigas a partir do ponto de vista muito diverso de cada
uma com relação ao encontro com Juan Antonio e suas consequências. Ambas se
apaixonarão por ele, ao que ele corresponde com ardência e intensidade, mas
ambas terão de lidar com efeitos colaterais desse amor. Vicky se recolherá
dentro da própria mediocridade e se tornará mais reclusa nas próprias escolhas,
e Cristina enfrentará a convivência com a ex-mulher do pintor, Maria Elena
(Penélope Cruz), que volta para a casa do marido após uma tentativa de
suicídio. Maria Elena também era pintora, além de possuir outros talentos de
natureza artística e vive de acusar o antigo cônjuge de usurpação intelectual.
Ela demonstra em diversos momentos que a relação tumultuada deles lhe valeu
muito do talento, e lhe sugou o autocontrole. Dentro desse turbilhão Cristina
não tem alternativa a não ser se resignar a dividir a casa e mais tarde o homem
com está mulher que é ao mesmo tempo passional e inspiradora. A surpresa é que
essa sociedade não apenas dá certo como trás fluência para a mente antes
saturada de preconceitos de Cristina, uma mente que agora é intelectualmente e
sexualmente incentivada pelo antes problemático casal de espanhóis.
Penélope Cruz
ganhou o único Oscar pelo qual o filme foi indicado, por uma interpretação de
essência selvagem, levada por momentos de sensualidade extrema mesclada com
cenas de desespero e outras repletas de humor. Misturando inglês com espanhol e
hipnotizando todos a sua volta com tanta energia Maria Elena é uma das melhores
personagens escritas por Allen, senão a melhor. Mas o que sobressai em “Vicky
Cristina” é essa aura que acompanha aqueles que se jogam de corpo e alma em
jornadas intimas, onde encontrarão lugares e pessoas capazes de modificar esse
intimo e fazer com que novas ideias e novos processos criativos se procedam.
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