“Uma Carta de amor para a mágica São Francisco” – The New York Times Book Review
Deve ser lindo ler “Histórias de uma Cidade” tendo conhecido ou morado em São Francisco. Mesmo sem conhecer essa cidade símbolo do oeste americano já se torna uma leitura envolvente, imagine sentado em um café na Union Street observando o bonde subir a rua, apinhado de passageiros. Primeiro volume de uma série de crônicas reunidas em livro e publicadas ao longo das décadas de 70 e 80, “Histórias de uma Cidade” foi um marco. Um marco literário, um marco gay, um marco da liberdade. Escrito em prosa coloquial e ligeira, as histórias acompanham as peripécias de um grupo de moradores da pensão no número 28, da Barbary Lane, inquilinos da icônica Anna Madrigal.
Os personagens são inúmeros e todos ornamentados com o devido grau de humor. Nos idos de 1978, a jovem e riponga Mary Ann Singletton troca a pacata Cleveland por São Francisco, em um final de semana em que chega a cidade para passear e termina caindo de amores pelo lugar. Em uma curta ligação para a mãe ela informa que não irá mais voltar, justificando a necessidade de buscar a própria independência, ao que a mãe retruca “você não será mais a mesma”. “Espero que não” admite Mary Ann. O comentário não poderia ser mais verdadeiro. A moça, mais do que qualquer dos outros personagens é a que será mais tocada e transformada pelo charme da cidade que adotava. Buscando um lugar para morar, Mary Ann encontra um aconchegante apartamento na pensão de Anna Madrigal, um reduto charmoso e boêmio, onde vivem também Bryan, um barman avesso a compromissos sérios com outras mulheres, e Mona, uma adorável publicitária cujo melhor amigo é um gay desempregado, expansivo e loucamente romântico chamado Michael Tolliver.
Michael – ou Mouse como é carinhosamente chamado por Mona – é um capitulo em especifico nesse livro de abertura das histórias de São Francisco. Ele é a representação literal e fidedigna da palavra gay. E lembra outro personagem muito querido por mim, que, no entanto não é uma criação literária, mas sim televisiva: o Jack McFarland do seriado Will & Grace. Em muitas passagens do livro eu só conseguia enxergar Jack, com todos aqueles trejeitos caricatos e aquela extroversão, tirando, no entanto, a ignorância ingênua e o egocentrismo. Mouse não é ingênuo, mas sim adepto de um romantismo a muito tempo extinto, seja no meio gay ou hetero. É de uma honestidade impar e ainda que não seja bem sucedido, o que lhe falta em riqueza material lhe sobra em coração. Sua amizade com Mona é uma das muitas provas de sua rica personalidade. Quando ambos estão juntos em um capitulo é garantia certa de que o leitor dará muitas risadas.
Mona trabalha com Beauchamp Day, um jovem e antipático publicitário, casado com Dede, a filha de seu patrão, Edgar Halcyon (por quem Mona será despedida posteriormente graças a um assomo de sinceridade na frente de um cliente importante). É Mona que conseguirá um emprego para Mary Ann na empresa. O cargo irá se provar uma porta de entrada para o mundo da chamada high society para a novata, que lá pelo meio da trama cai de amores por Beauchamp. Este ultimo é o personagem que mais destoa do clima de alegria da obra. Desonesto com a esposa, egoísta ao cubo e um poço de arrogância, Beauchamp é erva daninha em meio a tantas figuras iluminadas. O irônico nesse caso é que este posto, como de costume em muitas histórias, caberia a Edgar Halcyon, o patrão e sogro linha dura. Mas o velho empresário coube-se de ficar com o papel mais comovente, ao descobrir-se doente terminal e apaixonado por uma mulher contagiante e misteriosa que conhece na rua.
Armistead Maupin escreve com simplicidade e riqueza de sentimentos. Graças a isso conquistou um publico massivo, e não apenas um nicho especifico de leitores. Suas historinhas curtas não terminaram assim legadas ao cenário alternativo dos círculos literários. Elas se tornaram universais. Uma voz potente que conseguiu um lugar cativo no imaginário de milhares de pessoas. “Histórias de uma Cidade” acaba sendo, portanto, uma carta de amor não apenas para São Francisco, mas para todos nós.
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