REGRAS DA VIDA (THE CIDER HOUSE RULES – Lasse Halström/1999)




Há quantidade suficiente de originalidade e talento na produção de “Regras da Vida” que poderia tê-lo feito inesquecível. Mas há algo de muito lapidado na direção de Lasse Halström (de Chocolate) que impede que as emoções venham à superfície no coração do expectador. O roteiro tem a assinatura de John Irving, que ganhou o Oscar ao adaptar o próprio livro para as telas. John Irving já havia sido adaptado antes para os cinemas com “O Mundo Segundo Garp”, um dos melhores filmes que já assisti e uma pérola desconhecida da década de 80, e a diferença entre os dois filmes é abismal. É possível perceber a linguagem multifacetada e a narração descritivamente fantástica. John Irving tem essa capacidade única de transformar o cotidiano mais trivial em um universo envolto em lirismo. Mas “Regras da Vida” perde muitas oportunidades de utilizar bem esse lirismo e essa franqueza. Não deixa de ser belo, no entanto. Mas lhe falta um coração pulsante, algo que leve a quem assiste à emoção intuitiva.

Michael Caine interpreta Larch, o médico de um orfanato no Maine que cuida de órfãos enjeitados por mães muito jovens ou problemáticas. O lugar é abarrotado de crianças que vieram de relações precoces ou de lares desfeitos e é um lugar para onde jovens grávidas vão buscar socorro, pois Larch é especialista na realização de abortos. Uma dessas crianças é um menino chamado Homer Wells adotado ainda bebê, mas devolvido logo em seguida. Os pais adotivos o consideravam estranho, pelo simples fato de a criança ser muito feliz para chorar, concluindo o casal que ele devia ter algum problema com o qual eles não estavam dispostos a lidar. A segunda família que adota o bebê Homer já é mais “prática” na solução do que consideram um problema: se o menino não chora naturalmente eles o fazem chorar batendo nele, ao que o médico Larch o leva de volta ao orfanato.

Homer assim cresce sob a tutela do Dr.Larch, aprendendo todas as praticas que envolvem o cuidado com pacientes desesperadas que ali chegam ou com os órfãos que são deixados para trás. Desde o nascimento essas crianças são tratadas de uma maneira toda especial por Larch e o par de enfermeiras interpretadas pelas soberbas Kathy Baker (Edward Mãos de Tesoura) e Jane Alexander (Kramer VS Kramer). Larch tem um carinho maior por Homer, pois é uma das únicas crianças que chegaram à vida adulta vivendo naquele lugar que emana carinho e atenção, mas que jamais preenche o papel de uma família. Nada explica melhor esse sentimento prolongado de desamparo do que a cena em que o orfanato recebe casais a procura de um filho adotivo: as crianças estão sentadas a mesa almoçando e cada uma delas tenta demonstrar porque merece ser adotada. É singela essa demonstração de bravura e Larch é o personagem chave dessa construção de caráter, todas as noites lendo um clássico da literatura para os órfãos e se despedindo deles chamando-os de “Príncipes do Maine e Reis da Nova Inglaterra”.

Se essas crianças não são importantes para o mundo, são essenciais para o orfanato e cada uma é preciosa para aquela família acidental. Conforme vão crescendo e deixam de representar um interesse para possíveis pais adotivos, esses meninos e meninas passam a representar o futuro do orfanato e a eles é mostrada a realidade dos fatos e a delicadeza da vida. Quando uma jovem chega ali gravemente ferida, após realizar um aborto malfeito por um médico clandestino, Larch explica a Homer que sua pratica não é apenas fruto de um ponto de vista, na verdade nem chegando a sê-lo. É algo que surge da necessidade de se preservar a vida de alguém muito jovem e despreparada, de mulheres a beira do desespero e que recorrem á medidas drásticas. Homer inicia um processo de transformação psicológica, que o levará do orfanato até uma cidade litorânea na companhia de Wally (Paul Rudd) e Candy (Charlize Theron), um casal que recorreu ao orfanato para interromper a gravidez da moça.

Homer começará a trabalhar na colheita de maças na propriedade que pertence à família de Wally e quando este parte para a guerra a aproximação entre ele e Candy se torna inevitável. O titulo original do filme faz referencia ao quadro de regras pregado na parede do dormitório onde Homer dorme com os outros funcionários que trabalham na colheita, todos eles negros e donos de uma crença própria e pessoal, e com a qual o protagonista terá de lidar em certo momento da trama. A temática de “Regras da Vida” é muito bem definida perto de seu desfecho, quando cada personagem assume seu verdadeiro lugar na realidade em que vive, nem sempre sendo essa condição uma expressão de livre arbítrio. No caso de Candy vêm mais do sentimento de culpa e débito para com o namorado do que a vontade de cuidar dele, que volta da guerra paraplégico. Já Homer se posiciona diante dos fatos com maestria, ainda que perplexo com os rumos de tudo, mas nunca deixando transparecer insatisfação. Muito dessa serenidade vêm da interpretação de Tobey Maguire, que nada lembra o atrapalhado Peter Parker da trilogia “Homem Aranha”.

“Regras da Vida” possui imprecisões incômodas, como o trato que seu diretor dá aos temas polêmicos presentes, sendo o aborto o mais obvio. Lasse Halström se abstêm de dar seu ponto de vista e o máximo que Larch, o médico que rendeu o segundo Oscar de coadjuvante para Michael Caine diz é que não recomenda a pratica do aborto, apesar de exercê-la e defende-la. Nem a relação incestuosa entre o pai e uma filha recebe a atenção devida, sendo coberta de panos quentes e emanando compreensão na conclusão trágica de seu desenvolvimento. Poderia ser mais incisiva essa abordagem, o que resultaria sem duvida em um filme incrivelmente mais sincero.

Um comentário:

  1. Estou a quase 1 hora procurando esse filme para download legendado e não encontro. Só encontro dublado...
    Gostaria de ser parceiro do seu blog, eu adicionaria o sr na seção "Atualizações dos blogs parceiros" e o sr adicionaria o meu na sua seção "blogs preferidos", meu blog é o ozymandiasrealista.blogspot.com.br.

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    Força e honra.

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