ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (Blindness - Fernando Meirelles/2008)

Lançado no Festival de Cannes de 2008, “Ensaio sobre a Cegueira”, versão para os cinemas do romance de José Saramago, causou enorme frisson e foi alvo de pesadas criticas, que apontaram a adaptação de Fernando Meirelles da história de uma epidemia global de cegueira apenas uma tentativa de ser fiel à um conteúdo marcadamente literário. Grande bobagem. Quando se assiste a esse filme lembramos que o cinema é, acima de tudo, uma arte e deve servi para tal – apesar de na superfície ser a grande força motriz de uma industria multibilionária.

Sou um fã incondicional de Meirelles. “O Jardineiro Fiel”, de 2006, foi um filme que me tocou profundamente, não apenas por mesclar amor e compaixão em um mundo caótico, mas também por ser de uma veracidade tocante. É uma história dos dias atuais, com personagens ao alcance de nós. “Ensaio sobre a Cegueira” segue esse mesmo caminho. É, do inicio ao fim um filme sobre o ser humano em sua essência, não se criam estereótipos e nem conceitos. Os personagens estão ali para sobreviver, de si mesmos e dos outros. É tenso, é instigante e muito, muito bonito. Desde “Cidade de Deus” considero tudo o que Fernando Meirelles faz ouro. Acima das criticas arrastadas (e pouco embasadas) e de bilheterias fracas é um cineasta de qualidades sem precedentes – além de, aparentemente, um sujeito muito simpático – que ao lado de Ang Lee, Peter Jackson e David Fincher constitui tudo o que mais admiro em um diretor.

“Ensaio sobre a Cegueira” (Blindness), é a representação de um mundo que retorna ao medieval e a barbárie a partir do instante em que seus componentes se confrontam com uma deficiência generalizada. A personagem de Julianne Moore (atriz por quem sou apaixonado desde sempre) é a única pessoa, dentre milhares, a manter a visão. Juntamente com o marido (Mark Ruffalo) um oftalmologista, é jogada dentro de um hospital sanatório onde, juntamen
te com algumas outras pessoas, ficam em quarentena, praticamente sem nenhum contato com o mundo exterior. Conforme o lugar vai ficando mais cheio de gente cega o terror se generaliza: falta comida, privacidade, as pessoas andam nuas e imundas, o ar é rarefeito e nauseante e todos vagam como em um pesadelo. A situação só piora quando um grupo de cegos de uma ala do hospital, composta apenas de homens, detém as caixas de alimento e pedem em troca primeiro o que essas pessoas têm de valioso e material; como os objetos de troca acabam esses homens exigem então que as mulheres se entreguem sexualmente a eles, para que todos da ala vizinha não morram de fome. É uma cena sem igual em que se pode chorar pela extrema humilhação a que se submetem as moças.

É nesse momento que se tem inicio a mais emocionante seqüência, aonde a mulher que enxerga vai até a ala dos sujeitos e esfaqueia seu líder. Julianne Moore grita que a situação se inverteu e que se eles não entregarem a comida, todos os dias ela repetirá o mesmo gesto. É um grito que traduz medo, ódio e esperança e é impossível não reverenciar a interprete de um personagem tão grandioso. Outro destaque primoroso de “Ensaio sobre a Cegueira” é Alice Braga, no papel de uma prostituta encantadoramente humana. Na atuação dela eu reafirmo minha crença no poder que o cinema possui. Com uma voz incisiva e sensual, uma pureza e solidariedade extremas Alice é uma das magias desse filme e fico muito orgulhoso em saber que por trás de todo o aparato cinematográfico e artístico estiveram dois brasileiros genuínos, que levam muito de nosso intimo e de nossos medos para as telas.

Um comentário:

  1. realmente muito comovendo filme,e de qualidade tbm,parabenizo pela descrição dos fatos onde o silêncio diz tudo.

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