O REGRESSO PARA BOUNTIFUL

O REGRESSO PARA BOUNTIFUL (the trip to bountiful)


Uma resenha é extremamente limitada para se resumir todas as possibilidades que um filme como “O Regresso para Bountiful” guarda. Um drama tremendamente inventivo e que é marcado do inicio ao fim com o signo do saudosismo. É um daqueles trabalhos de parceria entre atores e equipe e que zelosamente resulta em êxito, e que faz crer que a década de 80 não foi totalmente perdida para o cinema. Possui um enredo galgado na esperança da protagonista de encontrar um elo com seu passado, algo concreto que ela consiga redescobrir e ao qual precisa se apegar para continuar vivendo. 

Carrie Watts é uma doce senhora que já beira os setenta anos e mora com o filho Ludie (no filme o excelente John Heard) e com a nora Jessie Mae (Carlin Glynn) em um apartamento pequeno em Houston, na década de 40. Irrequieta e insone, Carrie tem uma relação bem próxima e permeada de carinho com o filho, mas repudia a nora e por ela é repudiada, apesar da fachada de educação com que ambas se tratam, mas que não demora a ser demolida ao menor sinal de enfrentamento. Ludie por sua vez, sempre se vê na condição de apaziguador daquela disputa que já perdura há anos. Não quer contrariar a mulher para que ela não venha a deixá-lo, e não quer magoar a mãe porque a ama imensamente. Mas fica patente, nesse começo de filme, que essa tensão familiar pode custar muito se vier a evoluir, já que Jessie Mae é intempestiva e Carrie já dá sinais de uma tristeza que com pouco esforço pode vir a se tornar depressão. 
A velha senhora decide, então, tentar uma nova escapulida de casa para retornar a sua terra natal, Bountiful, vilarejo de quem quase ninguém ouviu falar, um lugar esquecido no tempo e no espaço. Ludie parte logo a sua procura, mas é dissuadido por Jessie Mae a esperar até que a mãe apareça, o que não acontece. Carrie já está tão longe nessa jornada que é improvável que retorne em uma ou duas horas e porque é movida por uma aflição latente e um senso da própria mortalidade que a faz seguir adiante haja o que houver. No ônibus rumo a Harrison, cidade vizinha a Bountiful, Carrie faz amizade com Thelma (Rebecca De Mornay, muito jovem e bonita), uma moça que esta retornando para casa dos pais, pois seu marido viajou a trabalho. 
Aos poucos Carrie vai deslindando seu passado e as magoas de sua vida, quase todas relacionadas ao seu passado em Bountiful. Ela segreda a Thelma seu amor por um homem cujo pai era inimigo do seu e com quem foi impedida de ter uma vida, confessa sua falta de amor pelo falecido marido e o fato triste de ter perdido dois filhos quando estes ainda eram muitos pequenos. Até que o ônibus chega ao seu destino e ambas têm de se despedir. A cena lembra o que muitas vezes ocorre durante nossa vida, quando conhecemos alguém corriqueiramente e nos identificamos com essa pessoa, que da mesma maneira rápida com que surgiu, desaparece de nossas vistas.
É quase impossível não ser atingido pela doçura e franqueza deste filme. Com Carrie cada vez mais próxima de seu destino e tão ansiosa para chegar até ele. Sua jornada pareceu para mim uma analogia a odisséia da vida de um ser humano, da necessidade de quando se chega a velhice e já as portas da morte de se agarrar a lembrança do que se teve de melhor na vida. É de esmagar o coração ver Carrie suplicando ao xerife local para deixá-la seguir caminho apesar das ordens que seu filho deu de mantê-la segura. E sempre que ela recua, apertando o peito e arfando com o esforço para se manter integra e no controle de si nos lembramos que o que ali se vê já é a reta final da vida de uma pessoa, o entardecer. 
Mas se há algo de riquíssimo no trabalho do diretor Peter Masterson é o de fazer essa jornada não apenas nostálgica, mas também alegre e inspiradora. Muitas dessas qualidades advêm do desempenho sem rival de Geraldine Page. Se hoje só pensamos em Meryl Streep ou Kate Winslet como sinônimo de grandes atrizes é por que muitos não conheceram o trabalho incrível dessa nova-iorquina, considerada a dama do teatro americano e que levou o Oscar tardio e merecido de Melhor Atriz por este desempenho, após já ter concorrido sete vezes em ocasiões anteriores, quatro delas como coadjuvante. 
É de Geraldine Page, por exemplo, um dos desempenhos mais demolidores e impecáveis da década de 70, no drama de Woody Allen “Interiores”. Não há como se esquecer da cena final, em que a personagem de Geraldine caminha rumo ao mar, para ser engolida pelas ondas.
“O Regresso para Bountiful” é também uma espécie de despedida triunfal de Geraldine Page que um anos depois de levar o Oscar morreria de infarto enquanto representava uma peça na Broadway. Este ultimo trabalho, portanto, é também sua herança para os admiradores de seu talento. Grande talento. 

Um comentário:

  1. Simplesmente fascinante a descoberta que envolve o passar dos anos em nossas vidas, precisamos sim reconstruir nossas lembranças com cuidado, e fazer dessa nova jornada um encanto de novas aventuras!!! Li a resenha onde já me apaixonei e senti no profundo da alma o sentimento da personagem, agora assistirei o filme!
    abr. Tina Paulo

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