Dos mais belos romances com cenário vitoriano e filme que me agradou um
pouco mais que “Retorno a Howard´s End”, embora os dois compartilhem o âmago a
abordagem é completamente diferente, saindo-se este com uma melhor economia
narrativa. Talvez a diferença seja na caracterização psicológica, pois
“Howard´s End” torna-se muito mais pesado de se ver do que “Uma Janela Para o
Amor”, ainda que continue uma obra grandiosa da dupla Ivory/Merchant. O que
primeiro me chamou a atenção para o filme foi Helena Bonham Carter, que por sua
vez despertou meu interesse através de sua indicação para o Oscar pelo desempenho
em “Asas do Amor” de 1997, uma adaptação do romance de Henry James que eu ainda
não assisti por não estar disponível em DVD, tendo sido lançado por aqui apenas
em VHS. Em seguida me vi obrigado a assistir por causa de Julian Sands, um ator
de presença muito forte e o qual havia visto em uma participação em “Mistérios
e Paixões” de Cronenberg. “Uma Janela para o Amor” não me decepcionou nem um
pouco. Embora Bonham Carter ainda se mostre muito verde neste trabalho, sua
presença algo singela tem o tom certeiro de ingenuidade e paixão intrínseca da
trama, e seu desempenho encaixa perfeitamente no de Julian, que têm um porte
romântico invejável e que deveria ter sido uma das grandes estrelas masculinas
da década de 80 e 90.
O filme começa em Florença, quando a personagem de Bonham Carter, Lucy
Honeychurch chega com a prima Charlotte Bartlett (Maggie Smith), uma mulher bem
mais velha para uma semana de turismo na pitoresca cidade italiana. Ambas são
hospedadas em uma pensão chamada Bertolini, onde também estão outros viajantes
ilustres de passagem pelo lugar, incluindo uma escritora de pequeno prestigio
chamada Eleanor Lavish (um dos primeiros trabalhos de destaque de Judi Dench
nos cinemas). Lucy se esvai em frustração quando constata que a vista de seu
quarto dá para uma rua pouca movimentada quando deveria ser uma janela com
visão privilegiada da cidade e esse será o assunto do jantar, quando ambas
reúnem-se aos demais hospedes em conversas prosaicas. Na mesa está, além da
escritora Eleanor, também o Sr. Emerson (Denholm Elliot) e seu jovem filho
George (Julian Sands), também eles ingleses. Enquanto Charlotte observa cada
defeito do lugar, sempre trazendo a tona o assunto da ausência de uma vista
digna do quarto que coube a elas, Lucy sonda os outros hospedes, detendo seu
olhar rapidamente em George.
O Sr. Emerson, percebendo o incomodo da nova hospede, oferece seu quarto
em troca do delas, já que o dele possui a visão turística que elas tanto
valorizam. Charlotte, em sua compostura típica e sua neurastenia vê em tudo um
ultraje, mas termina aceitando a troca em favor do conforto de Lucy. Quando a
mudança e feita e a moça acorda no outro dia e abre essa janela, parece estar
se abrindo também para um novo mundo que se descortina, nenhuma cena resume
melhor seu estado de espírito quanto está. A passagem por Florença parece
transformar tanto Lucy quanto sua prima mais velha e reprimida. Na companhia da
progressista e inventiva Eleanor Lavish, Charlotte irá aos poucos descobrir
nela mesma uma leveza insuspeita, permitindo-se levar pela beleza do lugar e da
imprevisibilidade da viagem, mas nunca deixando de visar o bem estar de sua
parenta mais nova, que ela tenta proteger da melhor forma.
O encontro entre Lucy e George é quase inevitável. Eles se encontram na
cidade, quando a moça presencia uma briga de rua que termina em morte e
encontram-se nos campos próximos á cidade, quando, durante um piquenique com o
grupo de ingleses da pensão Bertolini ela vai procurar Charlotte e encontra
George que então lhe dá um beijo impulsivo e apaixonado – ao qual ela não reage
de maneira alguma. Ali, já fica obvio que para uma mulher vibrante e de
personalidade marcante como Lucy somente um homem como George para lhe
completar. George é livre, não tem subterfúgios e transpira carinho e amor,
tanto que após o beijo em Lucy ele sai correndo pela chuva que cai no campo,
maravilhado pela beleza do que aconteceu.
De volta á Inglaterra, Lucy parece querer proteger a si mesma dos
próprios sentimentos ao ficar noiva de Cecil Vyse (Daniel Day Lewis), um homem
que nada tem haver com ela, um tipo que enverga uma atitude burguesa e uma
mediocridade latente. Há de se reconhecer o grande ator que é Daniel Day Lewis
ao encarnar com gosto um personagem antipático e simplório do começo ao fim. A
relação de Lucy e Cecil é tão improvável e obsoleta que sua própria família
parece aceitar a união apenas por educação, já que o rapaz não é um mal
partido, mas também não chega a ser nada além de um sujeito previsível e
pomposo. Ou seja, Cecil é uma opção obvia. Alguém que responde perfeitamente ao
rigor formal de sua sociedade e que não rebate nem quando é alvo de deboche.
Mas é deplorável perceber o quanto a escolha de Lucy ao ficar noiva dele
reflete seu medo de se entregar ao imponderável, ao sentimento fulgurante que é
um amor real.
George resurgirá na vida dela quando o Sr. Emerson, o pai deste aluga um
chalé na mesma vila em que fica a propriedade dos Honeychurch.e passa a fazer
parte do convívio social e familiar de Lucy, fazendo com que se crie uma
situação de tensão sexual que o expectador torce para que se concretize. Daí
advém à beleza do trabalho de James Ivory e da roteirista Ruth Prawer Jhabvala
(que ganhou o Oscar pelo roteiro de Howard´s End), ao narrar essa luta interna
de Lucy e conduzir com humor leve os costumes dessa sociedade que a circunda –
a cena em que George toma banho e brinca com Freddy, irmão de Lucy e o
Reverendo Beebe (Simon Callow), é muito engraçada, além de bonita, ao mostrar
homens livres de qualquer amarra que a sociedade impõe. Essa escolha pelo tom
romântico e paródico é o que faz de “Uma Janela para o Amor” um filme para ser
apreciado, bem como as atuações deliciosas do par central, de Maggie Smith, e
de praticamente todo o elenco, que adere á direção de arte impecável e á musica
de Richard Robbins. Todos esses ingredientes compõem uma obra que emociona,
diverte e entretém, sem decepcionar.
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