Imagine um lugar perdido no tempo, uma vizinhança ignorante, obscura e violentíssima, e uma família que mais dificulta do que facilita suas chances quase ínfimas de sair deste lugar esquecido. Agora pense em uma garota bonita e em plena adolescência, ser obrigada á duras penas a amadurecer para enfim sobreviver a tudo aquilo. Ao contrario do que pensa grande parte do publico, nem o cenário, nem a protagonista são tão fictícios assim. Muito menos as circunstancia e o enredo. Ele se repete ano após anos em cantos do mundo que sabemos existir, mas preferimos esquecer, ou deixar a cargo de governantes que final das contas tomam o mesmo rumo da negligencia.
Só para se ter uma idéia, a protagonista de “Inverno da Alma” têm uma única alternativa viável de esperança, que é a de ingressar no exercito americano; alternativa esta que se sempre sobra aos mais carentes de oportunidade. Contradizendo aquela capciosa afirmação de que “nós” é que fazemos nossas oportunidades, milhares de pessoas não possuem condições mínimas de ir a escola ou sequer possuem qualidade de vida e quando conseguem romper a barreira dura do comodismo e do preconceito social muitas vezes terminam como o estudante brasileiro que as vésperas de se formar na universidade foi assassinado dentro da própria casa.
Ree (a magnífica Jennifer Lawrence, que recentemente interpretou a mística em X-Men-Primeira Classe), é uma adolescente de 16 anos que mora no interior do Missouri, em uma cidade vizinha as montanhas Ozark. Seu pai, um sujeito criminoso e inconseqüente, está a tempos desaparecido e a policia vive a bater a porta da família a procura dele, que deve comparecer em breve a uma audiência de condicional ou então a casa será dada como pagamento da fiança. Ree tem uma mãe desligada da realidade, e um casal de irmãos pequenos adoráveis, mas incapazes de cuidar de si mesmos. Vive de vender lenha e ocasionalmente da caridade de alguns vizinhos em situação tão ou mais difícil que a dela. Ree sabe que têm de encontrar o pai, ou o que restou dele. Mas como e onde é o problema que mais lhe preocupa.
Ela vai primeiramente à casa do tio (John Hawkes), para logo em seguida arrepender-se de ter ido. O homem é irascível, bruto e violento e o único conselho que dá a Ree – acompanhado, obviamente de uma agressividade assustadora – é o de dar meia volta e rumar para casa, se mantendo longe dos problemas que sua curiosidade acarretaria. Mas Ree possui uma obstinação e uma força de vontade inalienável, ela sabe melhor do que ninguém que aquela é uma situação de ganhar ou ganhar, não existindo outra opção a seguir. Se o tio lhe nega ajuda, ela vai buscar ajuda sozinha e a partir disso inicia uma busca tão solitária, tão sofrível e resoluta que chega a ser admirável.
Essa busca cobrará seu preço. Um preço alto e violento, mas que a despeito da atmosfera caipira e perigosa dos habitantes daquela cidade acaba sendo compreendida no final das contas. O mais bonito em “Inverno da Alma” é que Ree, tão bonita e heróica em nenhum momento se faz de vitima ou sente-se vitima da situação, ela compreende o mundo a sua volta, apesar de repudiá-lo e magoar-se dele. É uma pessoa ainda em formação, mas com um caráter enorme, que apesar de suas limitações olha os outros de cima e sempre tenta passar aos irmãos aquela personalidade virtuosa, mesmo que nem ela saiba disso a principio. Ao final, uma frase ficou marcada em mim, na cena em que o irmão pequeno de Ree vê o vizinho esfolando um veado morto e pergunta a irmã se deveria pedir a ele um pouco da carne, ao que ela responde “nunca peça o que deveria ser oferecido”.
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